quarta-feira, 9 de março de 2011

Função Social do Poder Judiciário



Como é de sabença, o Direito é uma ciência dialética, que, com raras exceções, não comporta verdade absoluta.

Nesse diapasão, basta uma pesquisa na jurisprudência para se descobrir que a “Torre de Babel”, em sua versão atualizada, tem morada nos Tribunais pátrios. Daí o adágio "a lei reina, mas é a jurisprudência que governa".

Isso tem explicação na filosofia.

O Direito é uma ciência que, amiúde, envolve o que em filosofia se denomina desacordo moral razoável
[1] - pessoas bem intencionadas e esclarecidas professam convicções totalmente opostas -, ou seja, quase sempre haverão pensamentos contrapostos, podendo, ainda assim, ambos ser plausíveis.

Em corolário disso, nasce a importância de fixarmos o real sentido da função-social-do-Poder-Judiciário.

Pois bem.

No âmbito jurídico-político, temos a redemocratização do país e a elaboração da Constituição Federal de 1988, conhecida como constituição cidadã, que está ligada ao surgimento do Estado do Bem Estar Social que, por meio de medidas de proteção aos menos favorecidos economicamente e de mecanismos de universalização do acesso à educação, segurança, saúde e moradia, incorporados como direitos e garantias fundamentais constitucionais, abriria espaço para uma maior inserção do Poder Judiciário na política, pois que, os direitos são adquiridos através do Estado.

Dessa forma, a inércia do Poder Executivo em promover e executar políticas sociais e a ausência de representação parlamentar (hiato entre o cidadão e o Estado), traduzem na crescente insatisfação social, na emergência dos conflitos coletivos, que em última instância chegam ao Poder Judiciário em busca da efetivação dos direitos básicos da sociedade, gerando como sustenta Cappelletti (1993), "fenômenos de massificação da tutela jurídica."

Em outras palavras, quando se trata de proteger a sociedade
[2], a interpretação das leis não deve ser fria e descompromissada, antes de tudo, deve ser real e socialmente útil. É dizer, deve o magistrado optar pela interpretação que mais atenda às aspirações da Justiça e do bem comum.

“Basta lembrar que a impropriamente chamada Lei de Introdução ao Código Civil, que é, na realidade, uma lei que fixa critérios para a interpretação e aplicação da legislação brasileira, estabelece que na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela dirige e às exigências do bem comum. Como está claro, o juiz não só pode, mas na realidade deve procurar alternativas de aplicação que, preservando a essência das normas legais, estejam mais próximas da concepção de justiça vigente no local e no momento da aplicação”
[3].

Partindo dessa premissa, extraí-se a ilação de que, ante a enorme importância do Poder Judiciário no contexto político-social do nosso Estado Democrático de Direito, é odiosa a figura do juiz-burocrata, que vê na magistratura apenas a possibilidade de um bom emprego, com remuneração mais ou menos elevada e propiciador de prestígio social.

Nessa ordem de consideração, urgente e imediata se mostra a figura de um juiz-social, que vê na magistratura a possibilidade de transformar a sociedade, de reafirmar as normas constitucionais (direitos e garantias fundamentais) em favor do povo, que se vê oprimido pelo desmando e arbitrariedade na seara vertical (Estado-indivíduo) ou horizontal (indivíduo-indivíduo), que amiúde ignora os mais comezinhos direitos fundamentais.

É dizer, ao analisar a causa, deve o magistrado lançar mão das seguintes indagações:

- Qual será o efeito da decisão no âmbito social?

- Estará a decisão propiciando pacificação social?

- Estará a decisão concretizando os direitos fundamentais da sociedade?

- Estará a decisão salvaguardando os valores da República?

- Estará a decisão ratificando o papel do Direito como instrumento de controle da sociedade (pacificação social)?- Enfim, estará a decisão garantindo uma vida social mais justa?
Nesse claro contexto, o Judiciário deve contribuir para solucionar o problema da sociedade e nunca, em hipótese alguma, agravá-lo.

Vamos ao resumo da ópera.

A sociedade só tem a perder com a figura do juiz-burocrata ou, no dizer do respeitado jurista Dalmo de Abreu Dallari[3] (O Poder dos Juízes), do juiz acomodado, o que se afirma apolítico e entende que não é tarefa sua fazer indagações sobre a justiça, a legitimidade e os efeitos sociais das leis, contribuindo muito para que o Poder Judiciário seja visto como uma forma organizada de promover injustiças.

Não se revela um esforço de raciocínio mais rigoroso pra concluirmos que, frente ao desacordo moral razoável, é salutar que o Poder Judiciário se incline em favor da efetiva defesa da sociedade e do bem comum.

Em outras palavras, e já concluindo, o Judiciário não pode figurar como o átrio do inferno, descrito Divina Comédia de Dante Alighieri
[4], onde as pessoas que nele entram devem, sem qualquer escolha, deixar fora toda e qualquer esperança, principalmente porque a instituição da Justiça estaria com isso, longe de qualquer comédia e ratificando um drama que insiste em não atestar seus direitos, a despeito de vê-los. E, como arremate, como escreveu o grande Saramargo, o pior de tudo é quando sabemos das coisas e não agimos.

Notas:

[1] O desacordo moral razoável é aquele que tem lugar diante da ausência de consenso entre posições racionalmente defensáveis. Sobre o tema, v. Amy Gutmann e Dennis Thompson, Democracy and disagreement, 1997; Jeremy Waldron, Law and disagreement, 1999; John Rawls, Liberalismo político, 2000.[2] Ou seja, na balança da Justiça tem dois pratos: se num prato estão os direitos individuais, no outro prato estão os direitos da coletividade (STF – HC 74299-8 SP, Voto Min. Carlos Veloso.[3] DALLARI, Dalmo de Abreu. O Poder dos Juízes. 3ª ed., Saraiva, 2007.[4] A Divina Comédia – O Inferno de Dante; "Deixai toda a esperança, ó vós que entrais" (Lasciate ogne speranza, voi ch'intrate" (Canto III). Inhttp://www.overmundo.com.br/overblog/o-inferno-de-dante.

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