Um dos livros de maior impacto nas últimas décadas do século passado referia-se ao futuro. “O Choque do Futuro” do jornalista americano Alvin Toffler começa a partir de uma análise interessante da evolução da sociedade humana. Diz ele que se considerarmos um período de evolução de cinqüenta mil anos para a espécie humana, e dividirmos esse tempo em gerações de 62 anos cada, teremos um total de oitocentas gerações.
Dessas, 650 foram passadas nas cavernas. A escrita surgiu há 70 gerações, permitindo o início da comunicação efetiva entre as gerações. A grande massa da população só viu alguma pagina impressa há seis gerações. Nas últimas quatro começamos a medir o tempo com precisão e, somente nas duas últimas é que começamos a utilizar o motor elétrico. Diz ele, também, que a imensa maioria dos bens materiais que usamos na nossa vida diária de hoje foram desenvolvidos dentro da atual geração, a 800ª.
Se você está lendo esta revista, nasceu nessa geração, e só tem notícia de que o mundo foi muito diferente, por um período tão absurdamente longo, através da leitura ou das aulas de história. Na verdade, o choque maior que levamos, acontece quando olhamos para o passado e conseguimos perceber a velocidade da aceleração das mudanças na atualidade. Para quem tem menos de trinta anos de idade, as mudanças previstas para o futuro chocam menos que a morosidade das gerações anteriores, principalmente quando encontramos alguns focos de resistência em algum lugar do mundo, em pleno século XXI.
De todas as características dos tempos em que estamos vivendo, as que são mais marcantes são aquelas ligadas com a velocidade. Seja no transporte ou na comunicação, estamos extremamente velozes. Tanto que nosso cérebro, depois de séculos acostumado a um determinado ritmo, encontra dificuldade para acompanhar, ou entender, o que se passa.
Outro autor, o pesquisador britânico Kevin Desmond, conhecido estudioso da evolução das tecnologias, publicou o livro A timetable of inventions and discoveries (M.Evans & Co, Inc – NY, 1986), não lançado no Brasil. O autor apresenta, nesse livro, uma curiosa e, ao mesmo tempo, preocupante visão da evolução do conhecimento acumulado pela humanidade.
Segundo o mesmo, todo o conhecimento que a humanidade conseguiu produzir até o início do cristianismo, foi multiplicado por dois até a revolução industrial. Desse ponto – teoricamente o ano de 1750, em diante, o conhecimento voltou a dobrar, primeiro em duzentos e cinqüenta anos, depois em cinqüenta e finalmente em dez, até o surgimento dos primeiros computadores pessoais, no início dos anos oitenta. Na penúltima década do século XX o conhecimento foi multiplicado por quatro e na última – pasme – por dez.
A realidade é que somos assaltados com velocidade crescente por uma verdadeira avalanche de informações, através dos meios de comunicação cada vez mais competentes. Nesse cenário de velocidade alucinante surge um novo tipo de ansiedade: a de lidar com o excesso de informações, uma espécie de “informatite”.
Na verdade, dois aspectos preocupam o homem moderno:
Como separar a informação que interessa daquele que não tem utilidade?
Como transformar a avalanche de informações em conhecimento de verdade?
Como separar a informação que interessa daquele que não tem utilidade?
Como transformar a avalanche de informações em conhecimento de verdade?
A primeira questão está relacionada com um tipo de dilema que o homem sempre enfrentou com certa dificuldade: a relação entre a escolha e a renúncia. Perceba que sempre que escolhemos alguma coisa, renunciamos a muitas outras. Um exemplo simples da vida comum: você resolve comprar um par de tênis. O vendedor da loja mostra dezenas, de várias marcas, com tecnologias novas que reduzem o impacto, com materiais revolucionários que permitem que o pé “respire”, com cores, modelos, estilos, finalidades, todas diferentes e igualmente atraentes. E também com preços diferentes, é claro. Qual a sensação que você enfrenta? Ansiedade! Aquela ansiedade própria da necessidade de tomar uma decisão. Até que você escolhe um par – não sem dificuldade – e renuncia, por conseguinte, a vários outros que também havia gostado. Fim do episódio!
Ainda bem que você não compra tênis todos os dias. Mas, se essa escolha não é freqüente, muitas outras são. Todos os dias temos que tomar algum tipo de decisão. E como se não bastasse, sem perceber estamos decidindo o tempo todo a respeito do tipo de informação que iremos assimilar, pois sua quantidade atualmente é tão absurda, que chegamos a nos referir – como já dissemos acima – a uma verdadeira “avalanche” de informações, usando a metáfora de uma grande massa de neve que leva junto tudo e todos os que encontra pela frente.
Qual a conseqüência? Como na história dos tênis, a ansiedade se faz presente. Tantos livros disponíveis nas prateleiras das livrarias, lojas e até no supermercado. Tantas revistas disputando nosso interesse através de suas capas chamativas. Tantos canais de televisão, propagandas, outdoors, folhetos entregues por garotos e garotas nos semáforos, anúncios recebidos através do correio, o real e o virtual, pela Internet.
E parece que não há limites para a informação de propaganda. Já estamos começando a receber chamadas no telefone celular anunciando produtos. Em um shopping em São Paulo, aquela voz feminina que nos dá as boas vindas e deseja “boas compras” quando retiramos o ticket do estacionamento, agora está fazendo propaganda de um novo modelo de carro. E ainda tem a “cara de pau” de dizer algo como: – “que pena que você não está com o carro mais moderno que existe”. Ora!
E que defesa temos? Será que não deveria surgir algum tipo de “Serviço de Proteção ao Informado”? Fora de questão. A defesa é pessoal. E o mecanismo deriva da consciência e da serenidade. Consciência para separar o que interessa daquilo que é supérfluo, excedente ou desnecessário, e serenidade para que esse excesso não incomode ou prejudique.
A pessoa consciente e serena não é vítima fácil dos excessos, pois tem a capacidade de selecionar as informações a partir de uma personalidade estruturada, que sabe o que quer, que tem alvos fixos, que está aberta às novidades, mas mantém o controle sobre seus centros de interesse.
Usando mais uma vez a metáfora do tênis, se você passar na frente da loja, cuja vitrine está expondo mais de cem modelos diferentes, você não olhará para nenhum deles, se não estiver precisando comprar um par. Em outras palavras, o cérebro humano é seletivo, abre-se para receber as informações que pertencem aos seus centros de interesse, e bloqueia a entrada daquelas que estão distanciadas dos mesmos.
Mas, insisto, são necessárias a consciência e a serenidade. As pessoas vulneráveis à “informatite” são justamente aquelas cujos centros de interesse não estão definidos, e não mantém controle sobre seus próprios desejos. Ou seja, quando a personalidade está passando por um período de busca, de definição, de estruturação. Para algumas pessoas, esse período ocupa a vida inteira…
O que tem que ficar claro, é que a informação só é excessiva quando não encontra um centro de interesse que a receba. E nós podemos ter vários centros de interesse. O cérebro agüenta, sem problema. As pessoas mais angustiadas não são as que recebem muitas informações, mas aquelas que não sabem o que querem, e, nesse caso, a culpa não é do excesso de oferta, mas da indefinição da procura.
Com relação à segunda questão – como transformar informação em conhecimento – a primeira dúvida a ser sanada é sobre a diferença entre ambos. Então vejamos:
Conhecimento é informação com significado, capaz de criar movimento, modificar fatos, encontrar caminhos, construir utilidade, fabricar beleza. Conhecimento é a grande vantagem da atualidade, já que estamos na era que leva seu nome. E, como explicou o suíço Jean Piaget, pai do construtivismo, doutrina consagrada na maioria de nossas escolas, um gênio no estudo do pensamento, da linguagem e do desenvolvimento intelectual, não podemos transferir conhecimento, mas podemos construí-lo.
Cada pessoa constrói seu próprio conhecimento, e isso vale para o aluno na escola, para o funcionário na empresa ou para o cidadão na rua. Construímos nosso próprio conhecimento usando as informações como unidades morfológicas. Esse fenômeno começa por volta dos dois anos de idade, quando entendemos o significado das primeiras palavras e sua utilidade na comunicação, e também passamos a utilizá-las como substância na construção de nosso conhecimento. Crescemos e o processo continua: se compreendermos o significado de uma informação, podemos transformá-la em conhecimento.
É por isso que o mundo contemporâneo, pós-muro de Berlim, busca tanto a educação. Porque a informação vem pelos chamados “meios de comunicação”, mas o amálgama dessa enxurrada, bem como a separação do joio do trigo, só pode ser feita pela educação. E a educação saiu da escola, ou melhor, não está apenas nela, agora está também em nosso trabalho, em nossas relações, em nossa diversão. E aprendemos que conhecimento é um produto perecível, quando não usado, degrada, quando não aumentado ou reciclado, desvaloriza-se.
Conhecimento não se transfere, mas se constrói. Conhecimento é algo pessoal, propriedade de quem o possui, e não pode ser transferido com todas suas características, sentimentos, detalhes e significados de uma pessoa para outra.
Sabemos, entretanto, com relação às informações que, estas sim, podem ser transferidas. E a partir das mesmas, outra pessoa poderá construir seu próprio conhecimento. Quando um professor está dando uma aula, está na verdade passando dados, informações, conteúdos, na expectativa de que seus alunos utilizem essa matéria prima com a finalidade de construírem, eles próprios seu conhecimento.
Além de informações dois outros elementos são necessários para a construção do conhecimento: a percepção do significado e a criação de um elo afetivo. O significado é fundamental porque a mente humana tende a rejeitar informações que não tenham utilidade. Eis o erro principal de modelos educacionais que se baseiam nos conteúdos e não criam contextualizações, significados.
Aprendemos de verdade apenas aquilo que possa ser utilizado para transformar nossas vidas para melhor. O que faz sentido. Todos nos lembramos que assistimos a aulas no colégio cujo conteúdo não tínhamos a menor idéia de para que serviria depois, em nossas vidas práticas. É claro que rapidamente aprendemos que aquela matéria era importante porque iria “cair na prova”. Como conseqüência passamos a elaborar modelos mentais que nos permitissem estudar o suficiente para ter sucesso na prova.
O que “cai na prova” não necessariamente “cai na vida”. E, como tal, transforma-se em treinamento, capacitação para responder questões, e não para utilizar o novo saber com a finalidade transformadora a que deveria se propor.
Sócrates comparava conhecimento a uma espécie de alo luminoso em torno da cabeça da pessoa. O resto é escuridão, simbolizando a ignorância. Á medida que ampliamos nosso conhecimento, aumentamos nosso alo luminoso e, com isso, aumentamos também a superfície de contato do mesmo com a escuridão. A conseqüência é que percebemos o quanto ainda não sabemos. Por isso dizia Sócrates: “tudo o que sei é que nada sei”, pois quanto mais sábio ficava, mais tomava consciência de sua ignorância.
Se isso era verdade na Grécia antiga, como lidar com a mesma questão neste século, em que a velocidade é o paradigma, e a informação e o conhecimento são seus principais usuários?
Calma! Nada de pânico. O problema não está fora, mas dentro de cada um de nós, os alvos da informação, os detentores do conhecimento, portanto nós temos o controle. Consciência e serenidade para selecionar e aceitar apenas as informações boas, belas, úteis, verdadeiras. E a partir disso, construir conhecimento, aquele capaz de transformar nossas vidas, sempre para melhor.
Texto publicado sob licença da revista Vida Simples, Editora Abril.
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