Aproxima-se o dia 15 de abril, data fatal para que os Prefeitos Municipais prestem contas perante o Tribunal de Contas do Estado. No adimplemento dessa obrigação, algumas dúvidas têm sido suscitadas. Aqui se tentará dissipá-las, com o firme propósito de não contribuir para potencializá-las.
O ponto de partida para a compreensão do problema é o exame do artigo 70, parágrafo único, da Constituição Federal, expresso nos seguintes termos: "Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária". Como se vê, a prestação de contas pode ser exigida de pessoa física ou jurídica, dependendo de como é constituída a relação jurídica entre devedor e credor da obrigação de prestar contas.
Tratando-se do dever de prestar contas anuais, cabe, inicialmente, verificar como tal obrigação está preceituada no ordenamento jurídico. Diz o artigo 84, XXIV, da Constituição Federal que "compete privativamente ao Presidente da República prestar, anualmente, ao Congresso Nacional, dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa, as contas referentes ao exercício anterior. Por simetria, tal obrigação estende-se ao Governador do Estado (Constituição Estadual, artigos 51, I, e 64, XIV) e aos Prefeitos Municipais (Constituição Estadual, artigos 151, § 1º, e 158, IX). Portanto, quem presta contas é o Presidente da República, o Governador do Estado, o Prefeito Municipal, e não, a União, o Estado ou o Município.
Assim sendo, o dever de prestar contas anuais é da pessoa física do Prefeito. Nesse caso, o Prefeito age em nome próprio, e não em nome do Município. Tal obrigação é ex lege. O povo, que outorgou mandato ao Prefeito para gerir seus recursos, exige do Prefeito – através de norma editada pelos seus representantes – a prestação de contas. É obrigação personalíssima (intuitu personae), que só o devedor pode efetivar, não se podendo admitir que tal prestação seja executada através de interposta pessoa (procurador, preposto, substituto etc.). Isso quer dizer que o Tribunal de Contas deve recusar a prestação de contas apresentada por uma Prefeitura, referente à obrigação de um ex-Prefeito, continuando este exposto a todas as sanções previstas para aqueles que não prestam contas.
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Por essa razão, é necessário que haja a separação das contas – devendo, inclusive, serem processadas em autos distintos - quando ocorrer que o cargo de Prefeito tenha sido ocupado por mais de uma pessoa durante o exercício financeiro. Nesse caso, cada um será responsável pelo respectivo período.
Ressalte-se que o dever de prestar contas é intransferível, salvo a atribuição de responsabilidade por reparação de dano patrimonial (responsabilidade civil) aos sucessores hereditários do Prefeito, até o limite do quinhão transferido. Situação complicada sucede quando o Prefeito falece antes de satisfazer a obrigação de prestar contas. Pergunta-se então: poderia tal prestação ser exigida dos sucessores civis? Entende-se que sim, pois como diz Jorge Ulisses Jacoby Fernandes (Tomada de Contas Especial: Processo e Procedimento nos Tribunais de Contas e na Administração Pública. 2ª ed. Brasília: Brasília Jurídica, 1998, p. 82), "o dever de prestar contas não é penalidade, mas tão-somente corolário da obrigação de natureza civil, a qual a morte não extingue como regra".
É muito relevante evidenciar que a apresentação das contas anuais pelo Prefeito Municipal no Tribunal de Contas do Estado, não prejudica o dever de prestar contas imediatamente na Câmara de Vereadores, dado que a Constituição Federal, artigo 31, § 3º, em combinação com a Lei de Responsabilidade Fiscal, art. 49, impõe que as contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo ficarão disponíveis, durante todo o exercício, no respectivo Poder Legislativo e no órgão técnico responsável pela sua elaboração, para consulta e apreciação pelos cidadãos e instituições da sociedade.
No caso de prestação de contas, em razão de convênio celebrado entre a União e o Município, a situação é bem diferente. Aqui a obrigação é ex contractu. A União exige do Município, na forma estabelecida no convênio, a prestação de contas dos recursos transferidos voluntariamente. O Prefeito Municipal, quando assina um convênio, não age em nome próprio, mas no do Município. Assim, a prestação de contas deve ser apresentada pelo Município, ainda que ele já esteja sendo administrado por outro Prefeito, não sendo, portanto, nesta hipótese, personalíssima a obrigação de prestar contas. Caso o Município não preste contas, ou o faça insatisfatoriamente, toda responsabilidade será imputada ao Prefeito culpado pela má aplicação dos recursos recebidos da União, que pode ser quem assinou o convênio ou mesmo quem o sucedeu, administrando tais recursos, ou parte deles.
Registrem-se, por último, os efeitos da não apresentação das contas anuais devidas pelo Prefeito. É ato de improbidade administrativa, ficando o responsável sujeito às seguintes cominações: ressarcimento integral do dano, se houver; perda da função pública; suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos; pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente; e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, pelo prazo de três anos (Lei nº 8.429, artigos 11, VI, e 12, III). É crime comum, sujeito ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara de Vereadores, estando o inadimplente passível de pena de detenção de três meses a três anos, além da perda do cargo e a inabilitação, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da reparação civil do dano causado ao patrimônio público ou particular (Decreto-lei nº 201/67, artigo 1º, VI, § 1º e 2º). Cabe ao Tribunal de Contas do Estado instaurar imediatamente Tomada de Contas Especial, tendo como parâmetro a Instrução Normativa nº 006 – TCE/MA, de 14 de agosto de 2002. Por disposição expressa da Constituição Federal, artigo 35, II, deve o Estado intervir em seus Municípios, quando não forem prestadas as contas devidas.
O pedido de intervenção do Estado no Município, nesse caso, tem-se revelado a medida mais adequada para coagir os Prefeitos Municipais a cumprirem o princípio da prestação de contas.
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